terça-feira, 18 de abril de 2006

Rubem Alves mora em nós


O cronista da Folha e do Correio Popular de Campinas se expressa com simplicidade sobre assuntos complexos. Talvez aí resida seu grande êxito e o motivo para ser admirado.


Muito mais que um cronista, Rubem Alves é um conselheiro, um educador e um visionário. Com muita simplicidade escreve sobre os questionamentos fundamentais do ser humano. Passeia com as palavras pelos caminhos da morte e da vida. Reflete sobre política, religião, futebol, gastronomia, psicologia, sexo e até sobre o cuspe. Ele também é muito admirado pelos professores. Suas crônicas estão muito bem nas estantes de literatura brasileira mas também teriam muita utilidade nas de auto-ajuda.


Rubem Alves nasceu em 1930 no interior de Minas Gerais. Com 15 anos foi morar no Rio de Janeiro. Seu sotaque mineiro era motivo de chacota, por isso isolou-se, refugiou-se na teologia. Tornou-se pastor presbiteriano. Considerado subversivo, sofreu ameaças do regime militar. Foi morar nos Estados Unidos, onde viveu “anos de cativeiro”, como ele mesmo diz. Em 79 volta ao Brasil, torna-se psicanalista e professor universitário. Como escritor escreve crônicas para a Folha de S. Paulo e Correio Popular de Campinas. Autor de inúmeros livros, Rubem Alves escreve tanto para adultos como para crianças e seus textos são muito utilizados por professores Brasil a fora.

Com ironia, Rubem Alves “cutuca” os políticos e a política. Apresenta propostas no mínimo inusitadas. Em Uma modesta proposta para a reforma política, ele diz que o país não pode esperar pelas investigações das CPIs. Para ele bastaria um exame de fezes dos políticos sob suspeitas de corrupção. Segundo, o escritor, o que é somatizado no cocô é a corrupção. Essa proposta é baseada na “sagacidade analítica de Freud que demonstrou que, simbolicamente, cocô é igual a dinheiro”. Esta é a forma com que o cronista vai alfinetando, incomodado com os rumos da política no país. Que bom que seria se seus livros fossem lidos como auto-ajuda pelos políticos.

Rubem Alves é um educador. Escreve para crianças. Talvez seja por isso que seus textos são tão lidos e muito utilizado pelos professores. Ele abrevia e auxilia o ensino de questões fundamentais de uma maneira muito simples. Ele gosta de escrever temas, até então para adultos, para crianças. No texto Explicando política às crianças, Rubem Alves contextualiza as origens da política para nós. “Há muitos milênios a vida era uma pancadaria generalizada, cada um por si, cada um contra todos. Não havia leis, cada um fazia o que queria. Eles se reuniram numa grande assembléia e chegaram a um acordo. Precisamos de leis. Mas para ter leis precisamos de um homem que faça as leis”. Rubem Alves é pictográfico nas suas considerações. Faz com que crianças e adultos “vejam”, imaginem e participem do texto. Ele narra mil anos de história como se narra uma partida de futebol. Sua crônica é uma lição.

Escrever sobre incidentes insignificantes que provocam pensamentos nunca pensados, parece ser a predileção de Rubem Alves. Em sua crônica Sobre o Cuspe, ele questiona por que os homens cospem? “É preciso reconhecer que cuspir não é um ato natural”. O cronista entende que melhor que tolerar um cuspidor ou escarrador é compreendê-lo. “Eles têm suas razões”. Rubem Alves chama a atenção para a semelhança que existe entre a cusparada e a ejaculação. “Cuspir ou escarrar tem uma função de exibição fálica”, explica o psicanlista.

Rubem Alves é um literato. Ou melhor, um entusiasta da literatura. Adora livros, adora muito contar “estórias”. Na crônica Estórias à beira do fogão ele ‘conta’ como era gostoso ouvir estórias contadas a beira do fogão. “Naquele tempo não era preciso ir ao cinema ou ligar a televisão. Cada um tinha cinema e televisão dentro da cabeça”. Ele diz que Jesus foi um grande contador de estórias. “Ele mesmo nunca escreveu uma. Por muitos anos elas foram passadas adiante por aqueles que haviam ouvido”. Por tudo isso ele considera a literatura encantadora. “Ela nos tira do mundo das coisas reais e nos faz entrar na fantasia. Na imaginação tudo é possível”.

Rubem Alves descobre no dia-a-dia a beleza da vida. Ele tem o dom de transformar suas inquietações em palavras. Em simples palavras. Palavras que aconselham, que educam, que alimentam a alma. A sua experiência de vida está ali, nas linhas de seus textos. E são 76 anos de vida. Ele não esconde seus segredos. Nos identificamos com eles. Seus segredos nos ajudam. Rubem Alves não é um escritor, é vários. Para ele seu corpo é um albergue. “Nele moram muitas versões de mim mesmo. Em mim moram o Rubem escritor, o educador, o falador, a criança, o velho, o místico, o palhaço, o deprimido e um outro. Sim, um outro”.

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